Propriedade Intelectual e a Inteligência Artificial (IA)
Propriedade Intelectual e a Inteligência Artificial (IA)
No dia 26 do presente mês, curiosamente um dia depois do Dia da Liberdade em Portugal (25 de abril, que celebra 50 anos este ano) celebra-se o Dia Mundial da Propriedade Intelectual. Mas o que se entende por Propriedade Intelectual (PI)?
A propriedade intelectual refere-se ao conjunto de direitos que abrange as inovações e criações intelectuais que nascem do espírito humano, permitindo assegurar a sua utilização exclusiva. Os principais mecanismos legais de proteção da PI são patentes, marcas e direitos de autor, que cobrem uma panóplia de criações, desde obras literárias e artísticas, símbolos, nomes e imagens, até invenções e segredos comerciais.
A propriedade intelectual, tradicionalmente, divide-se em dois grandes grupos: direitos de autor e direitos conexos e propriedade industrial.
Os direitos de autor garantem que os autores, compositores, artistas, realizadores e outros intervenientes recebam pagamentos e proteção no que respeita às suas obras. O direito de autor e os direitos conexos, que protegem qualquer forma de execução das obras literárias ou artísticas, existem independentemente de registo, sendo este facultativo, mas é aconselhável, pois traz múltiplas vantagens, entre elas a atribuição de um direito de propriedade.
Já a propriedade industrial tem por objeto a proteção de invenções, criações estéticas (designs) e dos sinais distintivos de comércio, usados para distinguir produtos e empresas no mercado, abrangendo os direitos de utilização, produção e comercialização exclusivos. A propriedade industrial desempenha o papel crucial de garantir a lealdade da concorrência.
Acontece que a Propriedade Intelectual é muito sensível à evolução da tecnologia. No nosso dia a dia naturalmente se compreende que a relação entre o homem e a máquina se torna quase que indissociável, sendo que a IA mostra-se mesmo como uma possível ameaça e violação aos Direitos de Autor. A definição e o seu entendimento sobre o que é, efetivamente, a ”Inteligência Artificial” e de que forma é que a mesma se relaciona com a Propriedade Intelectual afigura-se complicada, sendo que não existe nenhuma definição concreta sobre o que é a Inteligência Artificial.
Podem surgir dúvidas sobre a paternidade dos Direitos de Autor quando a Inteligência Artificial seja utilizada para desenvolver criações de domínio literário, científico ou artístico, atendendo ao facto de se verificar que a autonomia dos computadores e das máquinas tem sido cada vez mais dominante, sendo que a Inteligência Artificial se qualifica essencialmente pela pouca ou nenhuma intervenção humana, no sentido em que é a própria Inteligência a responsável pela tomada de decisões em que a obra é realizada apurar a paternidade da mesma é materialmente complexo. Neste sentido, é crucial saber se a própria Inteligência Artificial pode ser vista como um autor (detentora, assim, de direitos de autor) ou não.
É de destacar que, ainda que não sejam vistos como autor aos olhos da lei, os mecanismos de IA já são capazes de produzir trabalhos criativos como os humanos, com pouca ou nenhuma intervenção humana. Ainda assim, estes mecanismos não deixam de ser compostos por bases de dados que foram introduzidos por mão humana. É esta a problemática entre programadores, usuários e máquina que cria uma questão complexa.
Observa-se que, verdadeiramente, a IA pode criar algo, ao fazer combinações de inúmeros conteúdos já existentes, no entanto, tratar-se-á de uma criação que deriva ou se inspira em outras criações, podendo ser entendida como violação de direitos de autor. Ora, a criatividade das máquinas está dependente da base de dados e das informações que lhe foram facultadas pelo ser humano, confirmando-se assim que esta criatividade nunca vai ser uma expressão da sua autonomia porque vai estar sempre dependente de uma base de dados padronizada e tipificada anteriormente. Assim, surge a questão: quem é, afinal, o detentor da Propriedade Intelectual? Será que é a própria IA, o programador da mesma ou a empresa a desenvolver a IA ou os consumidores finais?
De acordo com o artigo 11.º do Código dos Direitos de Autor e Direitos Conexos, “o direito de autor pertence ao criador intelectual da obra”, no entanto, não é possível atribuir direitos de autor a “alguém” que não detenha personalidade jurídica, como é o caso de sistemas, programas, plataformas que usam IA.
Não existe uma solução e resposta concreta para quem detém dos direitos de autor relativamente a trabalhos criados por IA. Uma das soluções que poderá ser suscetível de uma maior aceitação é a de atribuir a propriedade intelectual ao programador do software, por ser este que fornece a base de dados pela qual a IA se conduz para “criar” a obra.
Porém, levanta-se outra questão, se porventura se verificar a violação de direitos de autor pelo software de IA, a quem se deve imputar a responsabilidade de tal violação?
Considerando-se que os softwares IA têm uma base de dados que contempla obras criadas pela mão humana, e são os programadores destes softwares que inserem essas produções na base de dados do software, a violação de direitos de autor pela IA terá que ser imputada ao programador. Esta observação tem uma explicação lógica. O consumidor final não poderá ser imputado de tal violação porque este utiliza a IA como auxílio e não se trata de apropriação de propriedade intelectual, ao invés do que sucede na “criação” realizada pela IA, que utiliza obras já concebidas para “criar” algo novo, mas, verdadeiramente, o que faz é, através da base de dados que contém estes produtos, já existentes, utiliza-os, como se fossem titulares de tal propriedade intelectual. Dito isto, e fazendo um reforço ao que foi mencionado anteriormente, quem deverá ser imputado de responsabilidade pela violação de direitos de autor são os programadores dos softwares, que agem como se obras inseridas nas bases de dados fossem de sua autoria.
Analisando um caso verídico, Stephen Thaler, cientista informático dos Estados Unidos da América, queria registar duas patentes, no Reino Unido, para invenções que ele afirma terem sido criadas pela sua “máquina de criatividade” (palavras de Stephen Thaler) chamada “DABUS”. O seu pedido foi recusado pela autoridade que regula a Propriedade Intelectual do Reino Unido, com o argumento de que o “inventor precisa ser um ser humano ou uma empresa, e não uma máquina”. Perante o insucesso, Thaler decide recorrer ao Supremo tribunal do Reino Unido, que rejeitou unanimemente seu recurso, pois, de acordo com a lei de patentes do Reino Unido, “um inventor precisa ser uma pessoa física”. Os advogados de Thaler mencionam, num comunicado, que “o julgamento estabelece que a lei de patentes do Reino Unido é, atualmente, totalmente inadequada para proteger invenções geradas de forma autónoma pela IA”.
Nesse mesmo ano, ainda em 2023, Thaler perdeu uma disputa semelhante nos Estados Unidos, onde o Supremo tribunal do país se recusou a ouvir uma contestação à recusa do Escritório de Patentes e Marcas Registadas dos EUA de emitir patentes para invenções criadas por seu sistema de IA.
Ao examinar este caso, de entre muitos pelo mundo fora, e refletindo sobre o que foi afirmado previamente, a proposta de um Regulamento Europeu, considerando a necessidade de adoção de regras uniformes em matéria de IA, tem de fazer parte da bucket list dos nossos políticos, num futuro próximo, uma vez que a cada dia que passa a IA ganha um maior destaque na nossa sociedade e a sua regulamentação constitui um importante e necessário passo na evolução do nosso ordenamento jurídico.
Contactos
Localização
Rua Mestre de Aviz, nº 13A, Bloco A, Loja 1
[e direita pela Rua Heliodoro Salgado, nº 18A e 18],
2780-230 Santo Amaro de Oeiras, Oeiras
Pedir Informações
Email: geral@sbb-advogados.pt
Telefone: +351 211309300
2024 SB&B - Advogados. Todos os direitos reservados
Powered by albadesign